E a virada, hein? – Parte 2

Acordamos no dia seguinte em frangalhos. Minha mãe reclamava das costas, Pestinha estava cheia de mordidas de mosquito e eu com um leve odor azedo no corpo. Como meu pai tinha feito besteira, estava tentando animar a todos.

– Bom dia, família! Último dia do ano! Vamos curtir uma praia! Olhem que dia lindo! Podemos dar um pulo na cidade pra comprar umas coisinhas e depois passarmos o dia aproveitando as águas calmas e quentes daqui.

– Tô com fome! Preciso tomar café… – reclamou minha irmã.

– Vamos ao banheiro, nos arrumamos e nos encontramos aqui em frente em meia hora – decidiu minha mãe.

Os banheiros pareciam um calabouço da era medieval. Tinha uma privada esverdeada, com uma água preta, na qual tenho quase certeza que vi algo se mexer. Eu estava mais apertado do que vagão de metrô na hora do rush, mas o xixi não saía. Eu imaginava uma mão branca igual a giz saindo daquela água, me agarrando e me puxando para o submundo dos banheiros xexelentos. De repente ouvimos um grito tão assustador e me veio imediatamente a lembrança daquele filme do serial killer de máscara de hóquei que mata todo mundo que acampa no lugar em que ele vive, – pronto, vou morrer sem assistir Dragon Ball Super: Broly -, e isso foi a solução imediata para o meu “entupimento”.

– Aaaaaaaaiiiiiiiiiiiiiiii!!!!! Aaaaaaaaaaaaaaiiiiii!

Meu pai saiu correndo e eu que não sou bobo nem nada e sei que ficar sozinho na cena é morte na certa, fui atrás. Encontramos a Pestinha na porta, tremendo como uma vara verde e repetindo que não queria morrer BV – cada um com a sua prioridade, né mesmo?

Os gritos vinham do banheiro feminino. Quando entramos, testemunhamos a minha mãe correndo de um lado para o outro, berrando, enquanto a inútil da minha irmã tinha se trancado em um quartinho de guardados, provavelmente para garantir uns beijos na boca no futuro.

– Tira! Tira!! Tiraaaaaa!!!

Foi aí que nós vimos uma pequena perereca agarrada em um dos lados do bumbum da minha mãe. Acontece que ela foi usar o vaso e a perereca que morava ali não gostou nem um pouquinho daquela ocupação irregular e decidiu se manifestar.

Resolvida a questão, e aliviado por não ter que sobreviver a um serial killer sanguinolento, ouvi minha mãe desabafar:

– Nunca na minha vida eu passei por tanto constrangimento! Se estivéssemos no Xaturiba Boutique Hotel tenho certeza que isso não teria acontecido…

Para o azar do meu pai, o episódio da perereca só piorou as coisas entre eles – e para o meu azar, eu não podia rir nem um pouquinho do ocorrido, senão perigava virar notícia no jornal AcreTV: “mãe pira, sofre colapso nervoso e esgana toda a família por causa de uma perereca”.

Bom, na tentativa de melhorar o astral, fomos a tal praia paradisíaca.

A praia ficava escondida. Para chegar nela precisávamos descer uma trilha curta, passando por falésias. O lugar era bem bonito e isso foi melhorando o nosso humor. No final da passagem um mar azul com tons esverdeados apareceu. Calmo, quase sem ondas, exatamente como meu pai havia dito. Perguntei se eu podia correr para dar um mergulho e recebi um “ok” entusiasmado. Saí correndo, larguei o chinelo e dei um tchibum épico no mar. Água morninha. Que delícia. Aquilo ali tinha feito valer a pena tudo que havíamos passado.

Depois de algum tempo na água, voltei com sede.

– Pai, tô com sede. Quando passar o vendedor compra uma água pra mim.

– Vamos ver se passa alguém por aqui vendendo algo para beber, Max.

Quarenta minutos e nada. Sol escaldante. Gosto de sal na boca. Pele toda repuxada de tão seca. E eu estava quase bancando o Bear Grylls e bebendo a própria urina, até que a Pestinha nos salvou – difícil pra caramba reconhecer isso.

– Olha, pai! Acho que tem umas pessoas ali ao longe.

– Deixa eu olhar direito – disse meu pai, apertando os olhos e forçando a vista. – É, parece que sim! Vamos até lá… deve dar uns 10 minutos andando na areia.

Vinte minutos queimando a sola do pé na areia, começamos a nos aproximar do pessoal. Parecia um ponto da praia movimentado e tinha até um quiosque rústico. Comecei a sonhar com um refrigerante, um suco, uma água, um açaí, qualquer coisa gostosa e gelada, que eu beberia até doer a barriga, quando então minha mãe começou a berrar enquanto cobria os olhos da Pestinha:

– Oscar, Oscar… Tapa os olhos do Max. Rápido! Amarra essa blusa nos olhos dele! Anda!! Cobre os seus olhos também!

– Ai meu Deus do céu, ai mamãe.. não quero me suicidar! – começou a se desesperar a minha irmã.

– Ninguém tira a venda! – gritava minha mãe. – Não importa o que escutem.

– Mamãe, senti alguma coisa na minha perna – berrava histérica a Pestinha. – Deve ser o monstro invisível!!! Eu sou muito nova pra morrer!!

– Pestinha, para de show! – falei irritado com aquele escândalo todo. Cê tá perturbada!

– Manuela, explica pra menina…

– Minha filha, ninguém vai morrer! Fica calma! Que ideia doida é essa?

– Então, por que você começou a gritar mandando tapar nossos olhos?

– Porque acabamos numa praia de nudismo!!

Olha aí uma ideia de roteiro para a sequência, hein?

Depois dessa, só nos restou voltar para o camping.

Passamos a virada com um casal hippie – os únicos ocupantes do local, além da gente -, que nos convidaram para a ceia deles: um churrasco meio estranho, que até agora não identifiquei o que era. Só sei que depois que a minha mãe bebeu a bebida que eles a ofereceram, ela ficou super de boa. Cantou, dançou uma coreografia inusitada, beijou meu pai e até riu da perereca! Meia noite, estávamos nós quatro abraçados desejando um Feliz Ano Novo um para o outro e prometendo voltar no ano que vem.

E que fique registrado: Xaturiba Boutique Hotel é para os fracos! A família “Souza Muller” é doida, mas é raiz!

Um Feliz 2019!! 🙌🏻🙌🏻

PS1: imagem do site gerarmemes.com.br e imagem autoral

4 comentários sobre “E a virada, hein? – Parte 2

Deixar mensagem para Carol e Camila Carvalho Cancelar resposta